Jurisprudência: abstenção de uso de marca comercial – site da internet – domínio virtual

O Blog >Evolução Tecnológic@_ traz neste post julgamento sobre pedido de abstenção de uso de marca comercial, envolvendo uma agência de viagens e o site da internet Decolar.com

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO  CÍVEL N° 275.853-4/9 da Comarca de SÃO PAULO, em que são apelantes e apeladas DECOLAR.COM LTDA. E OUTRAS e DECOLAR VIAGENS E TURISMO LTDA.:

ACORDAM, em Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, adotado o relatório de fls. 1.000/1.001 como parte integrante deste, por votação unânime, dar provimento aos recursos principais, prejudicado o adesivo.

Improcede a preliminar de nulidade da sentença por  incompetência absoluta do foro regional, prevento ficou este pela distribuição da medida cautelar em apenso, no curso da qual nada foi alegado a respeito, ficando hibernada a suposta nulidade. Depois, a competência dos foros regionais foi ampliada por resoluções deste Tribunal, primeiramente para 200 e, em seguida, para 500 salários mínimos.

Também não houve julgamento extra petita, pois o cancelamento do site das rés foi incluído no pedido, na parte em que se  pediu a abstenção do uso da expressão “DECOLAR” em veiculações publicitárias, impressos, cartazes e afins.

Por outro lado, as duas últimas co-rés possuem legitimação passiva ad cansam, pois o site em questão foi registrado pela terceira e a segunda faz uso do mesmo, como foi bem explicado na r. sentença recorrida.

Finalmente, não houve cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide, pois a prova necessária à compreensão da controvérsia já se encontra toda nos autos, sendo dispensável, portanto, a dilação probatória.

No mérito, contudo, assiste razão às rés.

Como bem ressaltou o eminente Desembargador SALLES DE TOLEDO no Agravo de Instrumento n° 160.454-4/4, em apenso, “assim como não se pode negar que a Autora esteja em atividade no ramo de turismo desde 1994 (cf. f. 64/70), tendo, por isso, ao menos o direito ao nome empresarial juridicamente tutelado, também não se pode desde logo recusar validade ao registro providenciado pela Ré em país signatário da Convenção de Paris (cf. f. 249/274), o que ocorreu em data anterior (30 de dezembro de 1999) àquela em que a Autora pleiteara, no INPI, o registro da marca “Decolar Viagens e Turismo” (f. 95). E S. Exa. acrescenta: “Não se pode deixar de convir que, apesar de ambas as partes atuarem no setor de turismo, direcionam-se a segmentos diferentes do mercado”.

Esta arguta observação resolve toda a controvérsia.

Os documentos de fls. 296/305 provam o registro da marca “DECOLAR.COM” na Argentina, pais signatário da Convenção de Paris, e o art. 127 do Código da Propriedade Industrial (Lei n° 9.279, de 14/5/96) é expresso no sentido de que “ao pedido de registro de marca depositado em país que mantenha acordo com o Brasil ou em organização internacional, que produza efeito de depósito nacional, será assegurado direito de prioridade, nos prazos estabelecidos no acordo, não sendo o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos nesses prazos”.

Tendo em vista a anterioridade do registro da marca das rés, a produzir efeitos no Brasil, conforme observado no citado acórdão, não tem a menor relevância o fato de ter a autora registrado seu contrato social na Junta Comercial, com a palavra “DECOLAR”, em época bem anterior, ou seja, em 1994. A marca registrada goza de preferência, como ensina FÁBIO ULHOA COELHO: “Complemente-se a hipótese, cogitando que o registro do nome na Junta Comercial é anterior ao da marca no INPI. Como solucionar este conflito? Na lei, não se encontra dispositivo regulando a matéria, mas a jurisprudência tem normalmente prestigiado a tutela da marca, em detrimento da do nome empresarial, mesmo quando o registro deste é anterior. Exige-se, contudo, em função do princípio da especialidade, que o titular da marca e o do nome colidentes operem no mesmo segmento de mercado (salvo se a marca for de alto renome, quando o empresário goza de proteção em todos os segmentos)” {“Curso de Direito Comercial”, vol. 1, pág. 177, Saraiva, 1999}.

Neste sentido é a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “Marca – Registro promovido junto ao INPI – Prevalência sobre a “utilização prolongada”, decorrente da adoção do nome comercial – Marca e nome comercial submetidos a regimes jurídicos diversos. – Marca e nome comercial não se confundem. “A primeira, cujo registro é feito junto ao INPI, destina-se a identificar produtos, mercadorias e serviços. O nome comercial, por seu turno, identifica a própria empresa, sendo bastante para legitimá-lo e protegê-lo, em âmbito nacional e internacional, o arquivamento dos atos constitutivos no Registro do Comércio” (REsp n° 9.142-SP). – Pelo sistema adotado pela legislação brasileira, afastou-se o prevalecimento do regime da “ocupação” ou da “utilização prolongada” como meio aquisitivo de propriedade da marca. O registro no INPI é quem confere eficácia erga omnes, atribuindo àquele que o promoveu a propriedade e o uso exclusivo da marca. Precedentes do STJ. Recurso especial conhecido e provido parcialmente” (REsp n° 52.106 – SP, in RSTJ 129/306).

Por outro lado, é certo que ambas as empresas atuam no setor de turismo, mas direcionam-se a segmentos diferentes do mercado.

Enquanto a primeira co-ré opera apenas pela Internet, sem nenhum contato físico com seus clientes, a autora não dispensa esse contato, captando clientela em seu escritório na Praça da República, onde vende passagens, pacotes turísticos e afins ao consumidor que a procura. Assim, projeta-se ela no mundo comercial com o carisma dos seus agentes e prepostos, enquanto que a primeira co-ré conta apenas com os recursos do seu site, disponíveis somente para quem possui computador interligado à rede mundial. Logo, o público alvo de ambas não é o mesmo, o que afasta a possibilidade de confusão entre os serviços oferecidos pelas duas empresas, a induzir em erro o consumidor, com prejuízos para a autora.

Observe-se, a propósito, que o inciso V do art. 124 da Lei n° 9.279, de 14/5/96, diz não serem registráveis como marca, dentre outros, a “reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos’*. Não havendo, portanto, essa possibilidade de confusão ou associação, nada impede a convivência das duas empresas no mercado, com o nome e a marca que ostentam. Aliás, se confusão houvesse, seria ela em desfavor da primeira co-ré, que usa apenas uma das palavras componentes do nome comercial da autora, seguida da expressão ” com”, o que vale dizer que é muito mais provável que o público consumidor pense que o site em questão seja da autora, do que esteja aquela se servindo do nome desta. A autora, portanto, teria proveito, e não prejuízo, com a manutenção da situação fática.

Finalmente, procede a tese do abuso de direito desenvolvida pelas rés.

A autora foi criada em 1994 e nunca se preocupou em registrar a marca em questão no INPI, só o fazendo bem recentemente, em março de 2000, quando viu a primeira co-ré projetar-se no mercado.

Percebendo o valor da marca, decorrente apenas da inserção do citado site na Internet, não de esforço seu, procurou a autora tirar proveito da situação, forçando aquela a um acordo para que pudesse continuar suas atividades. Por outras palavras, não pretende a autora proteger sua denominação social por ser ela decisiva para o aviamento comercial, pois nunca se valeu da mesma para o exercício de suas atividades, mas apenas inviabilizar a existência da suposta concorrente.

A isso se dá o nome de abuso de direito, que ocorre quando alguém, embora agindo dentro das perspectivas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de levar em conta a finalidade social e econômica do direito subjetivo, usando-o de modo anormal, para prejudicar terceiro, naturalmente se este não se dobra à intenção ilícita.

Verifica-se, assim, não ter a autora o direito de exigir que as rés se abstenham do uso da expressão ora questionada.

Por estes fundamentos, dá-se provimento aos recursos principais, prejudicado o adesivo, para julgar improcedentes a ação e a medida cautelar em apenso, condenada a autora ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

O julgamento teve a participação dos Srs. Desembargadores  LEITE CINTRA e DE SANTI RIBEIRO, com votos vencedores.

São Paulo, 07 de maio de 2003.

SOUSA LIMA

Presidente e relator

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