O Blog >Evolução Tecnológic@_ entrevistou Marcus Vinicius Garrett Chiado, também conhecido por Garrettimus, autor do livro “1983: O ANO DOS VIDEOGAMES NO BRASIL“.
Evoltecno: Garrettimus, como surgiram os videogames?
Garrettimus: O consenso geral é de que o primeiro jogo de vídeo, “Tennis for Two”, foi apresentado em 1958 e criado pelo físico William Higinbotham. Era um rudimentar jogo de tênis apresentado na tela de um osciloscópio e foi criado para entreter as pessoas que visitavam os laboratórios do Brookhaven National Laboratory no dia anual de visita da instituição. Porém, já se pensava no conceito de jogo de vídeo desde 1947 no pós-guerra.
Evoltecno: Hoje em dia um console de videogame lançado no Japão, E.U.A. etc, entra em nosso comércio quase que instantaneamente, mas e na década de 80, quanto tempo demorava para um lançamento chegar ao nosso país?
Garrettimus: O Atari e seus similares demoraram aproximadamente 7 anos para aportar no Brasil de maneira oficial, isto é, produzidos aqui e comercializados em grandes magazines. Claro que, por meio de contrabando, de viagens turísticas internacionais e de venda localizada na Zona Franca de Manaus, o Atari chegava ao país desde fins dos anos setenta.
De fato, em plena Reserva de Mercado, tudo demorava a chegar ao país. Lembra-se de que estréias do cinema, por exemplo, levavam de seis meses a um ano (!!!!) para chegar aos nossos cinemas?
Evoltecno: Qual foi o primeiro console de videogame fabricado no Brasil?
Garrettimus: O primeiro lançamento de peso foi o Odyssey da Philips, que aportou em fins de abril e começo de maio de 1983 após ser apresentado na UD, a Feira de Utilidades Domésticas que sempre acontecia aqui em São Paulo. Porém, na mesma época, outro console seria lançado de maneira localizada, em São Paulo, e em pequena quantidade: o Dactari. Cópia do Atari americano, o Dactari foi produzido pela Sayfi Computadores, do engenheiro Ivo Albertoni, e distribuído com exclusividade, por 90 dias, na rede de lojas Computerland. Interessante que a Sayfi Computadores receberia uma injeção de investimento, alguns meses depois, e viraria a Milmar Indústria e Comércio Ltda., sendo que a nova empresa lançaria o Dactar (agora sem o “i”), o Dactar II e o raro Dactar Maleta 007.
Apenas para citar, outros jogos eletrônicos domésticos estavam presentes no país em fins dos anos setenta, como os telejogos, os mini-games e os relógios com jogos. De toda forma, o videogame na acepção plena da palavra, ou seja, que previa a troca de jogos por meio de cartuchos, só chegou mesmo em 1983.
Evoltecno: Conte-nos um pouco sobre as características de três consoles de videogame que disputavam mercado naquela época: Atari, Intellevision e Odissey.
Garrettimus: O Atari era como um sinônimo de videogame. O grande trunfo era a quantidade de cartuchos disponíveis para compra e locação; cerca de 300 títulos em 1984. Devido à enorme quantidade de fabricantes de cartuchos não oficiais, os “clones”, havia jogos de Atari em quantidade e nos mais variados preços. O Atari contava, também, com grandes produtoras, como a Activision e a Imagic, que lançavam jogos para o console quase sem parar.
O Odyssey, antes do lançamento do Atari, teve boa vendagem graças à campanha de marketing praticada pela Philips, baseada no uso do teclado alfanumérico do console, um detalhe que apenas o Odyssey trazia de fábrica, e também em jogos mais educacionais. Embora com gráficos mais simplórios em relação aos concorrentes, ele vendeu bem também devido a uma sacada de marketing fantástica da Philips, o lançamento do cartucho “Didi na Mina Encantada”, afinal, o jogo original (“Pick Axe Pete”) tinha o enredo semelhante ao do filme “Os Trapalhões na Serra Pelada”. Foi um caso notório de se usar a cabeça no momento certo.
O Intellivision era o mais caro dos três e o melhor em termos tecnológicos. Aliás, em entrevistas da época, os executivos da Digimed (subsidiária da Sharp responsável pelo lançamento e comercialização do console) diziam realmente que o Intellivision procuraria explorar um filão de mercado diferente, de consumidores mais exigentes e descontentes com os consoles da concorrência. Ele continha um controle totalmente diferente dos demais, jogos com qualidade gráfica e sonora melhor, e com ênfase em cartuchos esportivos. Os problemas do Intellivision eram o preço e a falta de jogos em comparação à concorrência – havia apenas 11 títulos disponíveis quando do lançamento do mesmo.
Evoltecno: Grande parte dos microcomputadores de 8 bits comercializados no Brasil na década de 80, eram reproduções não licenciadas de micros estrangeiros. E quanto aos consoles de videogame comercializados no país?
Garrettimus: Exato. Aconteceu a mesma coisa com os consoles, especialmente com o Atari. A Polyvox teve de enfrentar a dura concorrência de fabricantes tanto de consoles quanto de cartuchos, que em 1984 explodiram em quantidade. Entre 83 e 84, o Atari 2600 oficial tinha de “brigar”, lado a lado, com Dactari (e depois as variantes do Dactar), VJ 9000 e as variações (da Dismac), Dynavision (Dynacom), Supergame (CCE) e Onyx Jr. (Microdigital). O Odyssey e o Intellivision não viram essa concorrência, pois eram somente produzidos pelos fabricantes licenciados. A Splice, que produzia o único clone nacional do Colecovision, o Splicevision, estava sozinha nesse filão do mercado, mas teve vendas irrisórias, na casa de menos de 5% da preferência dos consumidores, por ser muito caro e ter distribuição limitada.
A política de Reserva de Mercado, vigente desde 1977 e que virou lei, de fato, em 1984, impedia o envio de royalties relacionados ao software, para o exterior. Era, querendo-se ou não, uma “pirataria legalizada” o que houve àquela época. Pirataria esta, aliás, que ajudou a alavancar o sucesso do videogame, enquanto nova forma de entretenimento, no Brasil.
Evoltecno: Qual foi a importância dos microcomputadores de 8 bits para o mundo dos games?
Garrettimus: A importância foi gigante. Os micros, como o Commodore 64, o Atari 800 e o Apple II, trouxeram jogos mais elaborados e muitos deles com um final verdadeiro, diferente do que se via em consoles como o Atari 2600. Como os micros tinham maior memória e maior capacidade de armazenamento (em diskettes de 5.25”), os programadores podiam explorar melhor as possibilidades, criando jogos bem mais complexos e mais bonitos visualmente.
Os jogos dos consoles do mesmo período raramente apresentavam final, mas tinham somente aumento na dificuldade; aumento este representado pela presença de maior número de inimigos na tela e/ou maior velocidade geral.
Evoltecno: Existe alguma explicação para que jogos de xadrez e estratégia, como o Chessmaster, tenham feito mais sucesso em versões para microcomputadores?
Garrettimus: Sim. Além de graficamente melhores e mais atraentes, os jogos de xadrez, damas e correlatos, nos computadores, eram bem mais rápidos no que diz respeito à resposta do adversário quando o mesmo era justamente o computador. No Atari 2600, por exemplo, o oponente (o console) podia levar quase 20 minutos (!!!!) para fazer uma jogada no cartucho “3D Tic Tac Toe”. A graça da coisa ia toda embora… As versões dos computadores eram rápidas e muito mais convincentes.
Evoltecno: No final da década de 70, início da década de 80 no Brasil, lembro dos games de mão com formatos exóticos, tenho até hoje alguns guardados da marca Bambino, depois surgiram os game & watch, mas nenhum deles se igualava aos consoles de videogame que chegavam. Em sua opinião, qual foi o primeiro portátil que se igualou ao console de videogame?
Garrettimus: Apesar do sucesso do Game Boy, creio que o Atari Lynx tenha sido o primeiro a trazer gráficos bem coloridos e som caprichado, embora tenha constituído uma falha comercial enorme.
Evoltecno: Qual é o maior clássico da história dos games? Tem ideia de quantas unidades foram vendidas no mundo?
Garrettimus: Difícil dizer. Há jogos que marcaram época e que definiram novos padrões para os jogos que vieram a seguir. Posso destacar os arcades Asteroids, Defender, Space Invaders, Pac-Man e Donkey Kong.
Apesar de se tratar de uma versão não fiel ao arcade e muito simplificada, o Pac-Man do Atari 2600 vendeu 7 milhões de unidades. Impressionante.
Evoltecno: Gostaria que você tecesse seus comentários sobre um clássico dos games da década de 80: Karateka.
Garrettimus: Karateka foi realmente uma inovação. A animação fluida, a forma com que uma história era contada, o inimigo com “personalidade” e um final bem definido compuseram um clássico instantâneo. Era como se o jogo fosse também um filme e o jogador fizesse parte realmente do enredo. Fantástico.
Há versões para praticamente todos os computadores da época: Apple II, Atari 800, IBM PC, Atari ST e outros.
Evoltecno: Em sua opinião, as crianças que jogam videogame tendem a ter um raciocínio lógico mais rápido?
Garrettimus: Essa prefiro não responder.
Evoltecno: Hoje muito se discute sobre alguns jogos serem potencialmente prejudiciais às crianças, principalmente em virtude da violência. Você acha que isso se deve pelo fato dos games estarem cada vez mais realistas?
Garrettimus: Eu jogo videogame desde os meus 10 anos de idade. Nos últimos tempos, tenho jogado muitos jogos “violentos” como os das séries Call of Duty, Medal of Honor e até mesmo o Fallout. Nem por isso, matei meu vizinho ou brigo com colegas de trabalho.
Acho que, se existe uma condição do tipo pré-disposição para a violência, qualquer mídia, seja filme, desenho, música ou games, pode fazer com que o indivíduo tenha os “5 minutos” de fúria. Colocar a culpa no videogame – e não no indivíduo – é muito fácil e “prático”.
Evoltecno: Alguma fita chegou a ser censurada na década de 80 por ter sido considerada com conteúdo impróprio?
Garrettimus: Sim, a empresa Mystique lançou uma série de três cartuchos para Atari com conteúdo erótico: Custer´s Revenge, Bachelor Party e Beat ‘Em & Eat ‘Em. Eram jogos bobinhos e com gráficos muito ruinzinhos, mas tinham realmente conteúdo impróprio para menores.
Outra empresa, a Universal Gamex, lançou o famoso X-Man, conhecidíssimo da molecada à época. Todos queriam jogar e ver, mas os pais e as mães não deixavam.
Se bem me lembro de ter lido por aí, uma associação de mulheres americanas, acho que as “Mães da América” ou algo assim, tentou proibir as vendas dos cartuchos, mas não me lembro se realmente foram proibidas.
Evoltecno: Recentemente, você lançou o livro “1983: O ANO DOS VIDEOGAMES NO BRASIL”. O que os leitores podem esperar de sua obra? Onde encontrá-la para compra?
Garrettimus: Eu procurei resgatar a história brasileira do início dos games no país, focando em informações de bastidores, em curiosidades mercadológicas e em entrevistas com os envolvidos no processo. Meu livro não é um catálogo dos melhores jogos ou de todos os títulos lançados nem contém dicas para colecionadores. Não, o foco é outro.
Procurei mostrar, sem preferências, em quais termos os primeiros videogames foram lançados, como as empresas nacionais se envolveram e desenvolveram suas idéias e estratégias, de que modo foi a aceitação por parte dos consumidores e outros detalhes. Tentei também – e sempre que possível – calcar as informações em dados reais retirados de publicações da época, tais como o Jornal Folha de S. Paulo, a revista Veja, e revistas especializadas em games do período, como a Micro & Video, a Vídeo News, a Vídeo Magia e a SomTrês.
A obra, que engloba brevemente telejogos/minigames/relógios, explora com profundidade os sistemas Atari e clones, Odyssey, Intellivision e Colecovision no contexto brasileiro. Tem 108 páginas e muitas ilustrações. É material para quem gosta mesmo daquele período histórico e também para quem tenha curiosidade acerca de como os videogames apareceram no país.
Ele foi lançado, com o apoio da ACIGAMES do amigo Moacyr Alves Jr., no dia 5 de agosto na loja UZ Games do Shopping Ibirapuera em São Paulo. Foi muito bacana.
Como se trata de uma produção independente, eu faço a venda diretamente por meio do e-mail euquero1983@gmail.com. O livro custa R$ 45,00 já com envio incluso para qualquer parte do país.
Evoltecno: Você ainda joga videogame? Qual é o seu preferido?
Garrettimus: Sim, eu jogo. Gosto muito dos jogos da série Fallout (o Fallout 3 e o New Vegas) dos consoles modernos, pois trazem um realismo, uma interação para com tudo à sua volta e um enredo muito bacanas. Ouso dizer que Fallout 3 seja o melhor jogo de videogame de todos os tempos. Ao contrário de alguns colecionadores de games clássicos, eu também gosto dos consoles modernos e sei apreciar o que de bom eles proporcionam.
Atualmente, em termos de clássicos, tenho um Atari 2600, um micro Atari 65 XE, e um ZX Spectrum +2. Eu colecionei de 1995 a 2010 e cheguei a ter muita, muita coisa, mas parei de colecionar, pois gasta-se muito dinheiro, tempo e energia com o hobby. Preferi dedicar-me à pesquisa dos bastidores dos videogames.
Garrettimus, o Blog >Evolução Tecnológic@_ agradece sua entrevista e deseja sucesso!